quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O Radiohead depois do 'pague-quanto-quiser

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Por: Jon Pareles

Em Oxford (Inglaterra)
Pouco após o Radiohead ter lançado o seu álbum "In Rainbows" online em outubro, a banda perdeu a sua senha para o Max/MSP, um pacote de software musical dirigido aos jovens vidrados em computador que o guitarrista Jonny Greenwood usa constantemente. Não foi a primeira vez que isso ocorreu, disse Greenwood, enquanto tomava uma xícara de chá no Hotel Randolph, em Oxford, Inglaterra. Como sempre, o Radiohead entrou em contato com a criadora do Max/MSP, a Cycling '74, para pedir uma nova senha.
"Eles nos responderam com uma pergunta: por que vocês não nos pagam o preço que acham que a senha vale?", conta Greenwood.

Bem, o Radiohead estava pedindo que isso acontecesse. É exatamente dessa forma que a banda está vendendo a versão para download do "In Rainbows": os compradores podem pagar de zero a 99,99 libras esterlinas (cerca de US$ 212) pelo álbum em formato MP3. Sete álbuns e 16 anos desde haver iniciado o seu percurso de banda mais discutida no rock, o Radiohead está se arriscando com o comércio, bem como com a sua arte. Para a problemática indústria fonográfica, a banda colocou em ação a experiência mais audaciosa em vários anos.

O Radiohead não é o primeiro conjunto a tentar promover aquilo que um dos seus gerentes, Chris Hufford, chama de "entretenimento virtual". Mas é o primeiro capaz de lotar facilmente estádios onde quer que se apresente. "Isso dá uma sensação boa", diz Thom Yorke, o líder da banda, enquanto toma uma caneca de cidra no seu pub local em Oxford, o Rose and Crown. "Foi uma forma de deixar todos julgarem por si próprios".

A aposta do tipo pague-o-quanto-quiser feita pelo Radiohead não apenas desencadeou debates econômicos. Ela também fez de 2007 uma espécie de duplo ponto de inflexão para a música gravada. Um deles é como o ano do "agente-super-astro-independente". Após cumprir o seu contrato em 2003 com o seu último álbum para a EMI, "Hail to the Thief", o Radiohead recusou ofertas multimilionárias para um novo acordo com uma grande gravadora, preferindo permanecer independente.
"Era difícil fazer qualquer outra coisa", disse Yorke durante as primeiras longas entrevistas concedidas desde o lançamento do álbum. "O pior cenário possível seria algo como: assinem mais um contrato, peguem bastante dinheiro e depois deixemos que a máquina aguarde semipacientemente pela entrega do seu produto, que poderá ser acrescentado à lista de produtos que compõem o mito".
"Assinar um novo contrato com uma grande gravadora teria acabado conosco", acrescenta ele. "O dinheiro deixa a pessoa entorpecida, como escreveu M.I.A. Quer dizer, é tentadora a possibilidade de alguém lhe dizer: 'Você nunca mais terá que se preocupar com dinheiro', mas não importa quanto dinheiro alguém lhe forneça -- e daí, você não vai gastá-lo? Não vai descobrir formas imbecis de livrar-se dele? Claro que vai. É como construir estradas e esperar que haja menos tráfego de veículos".

O Eagles e Madonna, ambos com volumes de vendas muito maiores do que os do Radiohead, também abandonaram as grandes gravadoras em 2007, assim como compositores influentes como Joni Mitchel e Paul McCartney, que migraram para a Hear Music, a marca independente de propriedade da Starbucks. Enquanto isso, Prince seguiu a sua própria rota, passando dos acordos para distribuição de um só álbum por meio de grandes gravadoras para a oferta gratuita de CDs em shows, ou, mais tarde, na edição de domingo de um jornal britânico.

Migração para a Web
O segundo ponto de inflexão é a migração decisiva da música para a Internet. É claro que isso não se deu de forma súbita. A música tem circulado no universo online, vendida ou compartilhada, desde os dias das conexões discadas, e bandas como Smashing Pumpkins e Public Enemy distribuíram gratuitamente álbuns online inteiros anos atrás. Mas o ímpeto da música online vem se acelerando.
O iTunes da Apple tornou-se a terceira maior comerciante de música nos Estados Unidos neste ano. A Amazon acrescentou download de músicas por MP3 juntamente com as vendas de álbuns concretos. Gravações mistas de hip-hop, identificadas pelas gravadoras como alvos potenciais de processos por desrespeito a direitos autorais, desapareceram das lojas e das esquinas das ruas, apenas para prosperarem online, onde artistas e grupos como Lil Wayne e Cam'ron divulgam as suas mais recentes inovações.
E o Radiohead foi capaz de atrair atenção mundial para "In Rainbows" com uma promoção que consistiu apenas de um anúncio modesto de 24 palavras no seu website em 1° de outubro. Para a alegria da banda, ela pôde lançar a sua música quase que imediatamente, sem os meses de antecedências necessários para a fabricação de discos. Hufford diz que "In Rainbows" foi baixado pela Internet em lugares tão remotos (e conectados à Web apenas parcialmente) como a Coréia do Norte e o Afeganistão.
Em 9 de novembro, numa espécie de travessura de workaholics, o Radiohead organizou um webcast gratuito e bastante informal chamado "Thumbs Down", com a apresentação em tempo real de novas músicas e capas de Björk e os Smiths, a partir do desorganizado estúdio da banda em Oxford (vários clipes estão no YouTube).

"Nós passamos o tempo todo destruindo o trabalho anterior e fazendo tudo de novo", conta o baterista Phil Selway, em Oxford.
'Natureza tênue da vida'
Em "In Rainbows" as músicas de Yorke podem ser mapeadas como relacionamentos pessoais, o estado do mundo ou o estado da banda. "Por trás de grande parte do álbum há esta descoberta súbita da natureza tênue e cotidiana da vida", afirma Yorke.
A Internet já testemunhou grande parte da gestação de "In Rainbows", à medida que o Radiohead testou músicas em público, sabendo que elas seriam imediatamente pirateadas. "A primeira fez que executamos 'All I Need", bum! Foi parar no YouTube", conta Yorke. "Achei fantástico. No momento em que termino algo, fico realmente empolgado, orgulhoso, esperando que alguém ouça o trabalho e, aí, foi o que a platéia fez. Está tudo, bem porque o trabalho está em um telefone ou uma câmera de vídeo. É uma gravação pirata, mas o espírito das músicas está lá, e isso é bom. Em tal estágio, isso é tudo com o que você precisa se preocupar".

A banda preocupou-se com outras coisas. Após lançar "Hail to the Thief" e fazer uma turnê pelo mundo, o Radiohead tirou folga de um ano. Os membros, todos na casa dos trinta e poucos anos, voltaram-se para as suas famílias enquanto pensavam sobre o futuro. No início de 2005, começaram a praticar juntos sem compromisso -- embora, conforme diz Selway, a menção à palavra "álbum" tenha sido um tabu durante um ano. Eles contavam com uma lista de músicas, a maioria das quais apareceria dois anos depois no "In Rainbows", em setembro.
Mas, quando 2005 acabou, o Radiohead ainda não havia recuperado o seu ímpeto. Yorke, um compositor prolífico, fez o seu próprio álbum, "The Eraser", trabalhando na maioria das vezes sozinho com o seu computador e samples musicais.

Godrich estava ocupado gravando com Beck, e por isso a banda tentou fazer algumas sessões com Spike Stent, que havia trabalhado com Björk, no início de 2006. Os resultados desapontaram. A seguir o grupo decidiu que apresentações poderiam colocar as músicas em forma. Eles marcaram uma turnê de verão em 2006, tocando meia dúzia de novas músicas em cada show. Em breve, graças a gravações pirateadas online, os fãs estavam nitidamente reconhecendo cada uma delas. Após a turnê o Radiohead retornou ao estúdio, apenas para decidir que as músicas ainda não estavam prontas.
Mais uma vez a banda começou a fazer modificações. "Temos uma música e diversas maneiras diferentes de experimentá-las, mas não sabemos o que vai funcionar, e é por isso que a coisa toda soa meio estranhamente amadora", diz Greenwood. "Seria de se esperar que a essa altura já soubéssemos o que funcionaria, e o que ainda é frustrante, ou de certa forma meio encorajador, é o fato de não sabermos se o trabalho funcionará num laptop ou num piano".
Ele dá um meio-sorriso. "A coisa ficou bem confusa", acrescenta. "Aprendemos que não dá para repetir um método já usado em uma música quando isso não deu resultado".
Melodias
"In Rainbows" é o álbum mais graciosamente melódico do Radiohead numa década. Mas o Radiohead chegou até essa música de forma indireta, e com freqüência as melodias do álbum trazem mais coisa em si do que a princípio aparentam. "A canção 'Videotape', com letras sobre a gravação de um momento feliz de uma vida para ser visto postumamente, tem um piano metálico e uma batida tão elusiva que passamos cerca de um ano ensaiando essa música a fim de chegarmos a um acordo sobre o seu significado", diz Selway. "No decorrer de um ano, cada um de nós ficou totalmente confuso".

A música "Reckoner", que foi parte das apresentações ao vivo da banda, não soa nem um pouco como a "Reckoner" do álbum. Quando a banda retornou da turnê, decidiu que a música necessitava de uma segunda parte -- e, a seguir, de uma terceira. Finalmente, a parte original foi descartada. Greewood diz que para "All I Need" ele quis recapturar o ruído de fundo gerado por uma banda tocando alto num salão, quando "todo o caos emerge". Esse som jamais se materializa no ambiente mais analítico de um estúdio. A sua solução foi contar com uma seção de cordas, e as suas próprias violas com sons sobrepostos, sustentando cada nota da escala, encobrindo as freqüências.
York trabalhou em muitas músicas no Rose and Crown. "Sentava-me lá porque é uma mesinha muito bonita", conta o músico. "Aí eu pegava os meus rascunhos de papel e os enfileirava. Precisava inseri-los no meu livro de anotações, porque eram apenas rascunhos que acabariam sendo perdidos. Então, estou escrevendo aqui? Provavelmente. Não sei ainda. Estou apenas confirmando informações. Essa é uma coisa legal e relaxante de se fazer, e mantém a sua mente afinada com tudo o mais. E você acaba enxergando coisas que não conhecia".
Resultado vantajoso
A banda e os seus managers não estão divulgando os números relativos às vendas por download, e tampouco o preço médio -- e talvez nunca façam tal coisa. "É a nossa roupa de cama", explica Hufford. "Não queremos lavá-la em público". Uma declaração da banda repeliu estimativas feitas pela companhia de pesquisa online ComScore, segundo a qual, durante outubro, cerca de 3/5 das pessoas que fizeram download do álbum do conjunto conseguiram as músicas de graça, enquanto o resto pagou em média US$ 6.

Calculando o número de downloads gratuitos, a ComScore diz que o preço médio por download foi de US$ 2,26. Mas a firma não especificou o número total de downloads, dizendo apenas que uma "porcentagem significativa" das 1,2 milhão de pessoas que visitaram o site do Radiohead (www.inraibows.com) em outubro fizeram download do álbum.
Segundo um contrato típico de gravação, uma banda recebe royalties de cerca de 15% do preço total das vendas de um álbum após as despesas terem sido recuperadas. Sem intermediários, com custo material zero por download, o preço de US$ 2,26 por álbum seria vantajoso para o Radiohead -- isso sem mencionar a publicidade mundial.
Tanto Hufford quanto os membros do Radiohead garantem que a estratégia foi um sucesso. "As pessoas, na verdade, optaram por pagar", diz Hufford. "Isso é o fã dizendo: 'Queremos fazer parte da experiência'. Se a iniciativa for suficientemente boa, as pessoas jogarão uma moeda na tigela. Foi uma solução para uma série de questões. Duvido que isso algum dia funcionará da mesma maneira".
O Radiohead não abandonou o disco tradicional. Uma versão de luxo enviada por correio de "In Rainbows" (o álbum e um CD de bônus, dois álbuns de vinil, trabalho artístico e um pacote sofisticado, a um preço total de US$ 80) passou a ser vendida paralelamente à versão online, diretamente da própria companhia de vendas de produtos da banda, a W.A.S.T.E., e foi remetida para os primeiros compradores na semana passada.
Hufford diz que ele e Bryce Edge, o outro manager do Radiohead, bolaram esse plano do tipo "pague-quanto-quiser" durante uma conversa filosófica (e sob o efeito de drogas) a respeito do valor da música. Eles inicialmente propuseram lançar apenas as músicas para download e a caixa de luxo, mas a vontade da banda prevaleceu. Os músicos observaram que muitos dos fãs não são nem captadores de download nem colecionadores de elite.

Ações convencionais
Em 1° de janeiro (um dia no qual poucos álbuns são lançados), o disco "In Rainbows" deverá ser comercializado como CD e LP de vinil, em joint-ventures com as gravadoras independentes TBD (parte da ATO Records, cujo co-proprietário é Dave Matthews), nos Estados Unidos, e a XL, na maioria dos outros países.
Will Botwin, presidente e diretor executivo do ATO Records Group, descreveu otimisticamente o download como "a maior festa de audição do mundo", atraindo a atenção dos fãs do Radiohead para o álbum. A gravadora pretende fazer propaganda para uma platéia mais ampla, usando tudo o que estiver disponível, desde os anúncios de televisão até as mostras nas lojas. As estações de rádio já receberam a música "Bodysnatchers" -- que, segundo Yorke, foi inspirada nos contos de fantasma da era vitoriana -- e a tensa "Jigsaw Falling into Place".
E agora as gravadoras aguardam para ver se os downloads de "In Rainbows" em todo o mundo afetarão as vendas de discos. "A indústria fonográfica não sabe", diz um sorridente Colin Greenwood, o baixista do Radiohead, enquanto toma chá em Londres. Para o Radiohead, trata-se, com certeza, de um jogo conhecido.

Tradução: Danilo Fonseca

Visite o site do The New York Times

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